sexta-feira, 30 de maio de 2008

Anos de Chumbo... Dourado


O período mais repressivo da ditadura militar foi, também, o de maior desenvolvimento econômico para o Brasil. 1968 foi a fase mais violenta e conturbada que o país viu até o momento na história de sua política.


Batizado como Anos de Chumbo pelos membros da imprensa, este período vai do final de 1968 até março de 1974. Avanços industriais e, conseqüentemente, econômicos foram notórios. Mas isso não quer dizer que a sociedade inteira tenha se beneficiado desse crescimento todo. As inflações foram às alturas, as desigualdades sociais ficaram mais claras e a repressão política era cada vez maior.


O cenário internacional disso era a Guerra Fria, um dos episódios marcantes na duradoura disputa entre capitalistas e socialistas. A extrema-esquerda batia de frente com o aparelho policial e militar (direita) que estava a serviço do Estado.


E é nesse momento que a liberdade de imprensa some. Ou pelo menos ganha limites. Márcio Moreira Alves, deputado, é acusado de ofender as Forças Armadas do governo Costa e Silva. Ele fez um discurso incentivando a população a não participar do desfile de 7 de setembro como uma forma de protesto contra a ditadura.


Indignados com o que acabara de acontecer, Costa e Silva juntamente com os militares, pedem ao Congresso Nacional que processe Márcio Moreira Alves. O pedido é negado. O jornalista do Estado, Julio de Mesquita Filho, publica um texto indignado sobre a falta de visão para governar o país de que dispunha o então presidente Costa e Silva. Esse texto foi tirado de circulação pelo general Silvio Corrêa de Andrade, Chefe do Departamento da Polícia Federal em São Paulo. Corrêa confiscou o exemplar que ainda estava na impressora e apreendeu o acumulado de jornais já prontos para despache e venda.


Corrêa ainda tentou negociar com Mesquita Filho, mas não teve conversa. O jornalista se negava a mudar suas publicações para que o governo saísse ileso de ofensas e críticas. Isso aconteceu nos instantes que antecederam a assinatura do AI-5. Depois de assinado o Ato Inconstitucional n° 5, Mesquita Filho ainda participou de uma reunião no Palácio dos Bandeirantes com o governador Abreu Sodré e o general Andrade. Ele poderia continuar publicando seus jornais, mas deveria ser mais cauteloso.


Mesquita Filho não escreve editorias até o final de sua vida, que seria em 1969. Com sua morte Julio de Mesquita Neto, seu filho, assume seu lugar na direção do jornal. A ditadura e a censura persistem. Mesquita Neto explica durante um debate em 1970 que a página reservada para comentários políticos, deixou de ser utilizada. De acordo com o então diretor, não havia liberdade suficiente para exporem seus pensamentos e por esse motivo não utilizavam aquele espaço como deveriam.


Esses espaços eram usados com outras publicações. Reportagens banais ou até mesmo poemas e receitas. Alguns jornalistas se recusavam a ocupar seus espaços com matérias sem importância.
O período mais repressivo tenha sido, talvez, entre os anos de 1968 e 1975, quando censores foram implantados com maior ou menor rigorosidade. Tudo dependia das ordens governamentais. E no ano de 1972, o regime passava por uma instabilidade por conta da sucessão de Médici. Isso aumentou ainda mais a repressão.


Com o passar dos anos os jornalistas foram tendo seu espaço de volta. Mas isso não quer dizer, contudo, que eles possam escrever tudo aquilo que julgam certo e conveniente. Anos depois passou a existir a Lei de Imprensa. Esta processava jornalista por calúnia e difamação.


Na verdade a intensidade das penas é que mudou, não os motivos. Sendo assim o jornalista ainda fica delimitado à certas publicações. Do contrário, há complicações que podem levar a um prejuízo grande.


A imprensa existe há 200 anos. A repressão também. Começou com a proibição real para que impressoras fossem postas em funcionamento no país. Na verdade a censura existe para defender interesses particulares ou oligárquicos. A diferença está na punição que cada época aplicou em seus membros da imprensa.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Ônibus 174


Sandro Barbosa do Nascimento sequestra um ônibus de número 174, que fazia o trajeto Central - Gávia, e mantém 11 pessoas como reféns por horas. Quando resolve se render usa uma das reféns, a professora Geisa Firmo Gonçalves, como escudo e sai do ônibus. Algo dá errado e um policial do BOPE atinge um primeiro tiro na mulher e logo depois Sandro a atinge fatalmente com mais três tiros nas costas e vai preso. Morre por asfixia dentro da viatura que o levaria a delegacia.


Mesmo não sendo sua intenção inicial, ele matou a professora. A reação da populção foi imediata: uma mistura de medo e revolta foi a resposta àquela barbárie. Com o passar do tempo, alguns acreditam que Sandro foi 'vítima do sistema'. Já imaginaram se todos que se julgassem 'vítimas do sistema' resolvessem sequestrar, roubar ou matar alguém? Não haveria mais classes média e alta para contar a história.


Se a maioria vive com pouco é porque uns poucos vivem com muito. Concordo. Mas aí eu pergunto: desses poucos, quantos são verdadeiramente culpados pelas diferenças sociais? E quantos estão bem (pelo menos financeiramente) por serem pessoas dedicadas e terem isso como devido merecimento? O que uma professora tinha a ver com a má distribuição de renda do país, desvios de verba, com a falta de oportunidades iguais para todos? O que tinha essa professora a ver com o sistema e sua estrutura social precária?


Ela era apenas mais uma dentre tantos buscando uma vida melhor. E mesmo não sendo uma simples professora, mesmo sendo o pior dos governantes, o culpado por toda a precariedade social, nada justificaria alguém disparar três tiros em suas costas e acabar com sua vida. Há outras maneiras de se ganhar a vida sem ser roubando. Há outras maneiras de chamar a atenção para os problemas sem ser matando alguém. Maneiras mais eficientes de dizer que algo está errado.


O assassinato da professora não mudou nada na realidade das pessoas como Sandro. Ninguém ficou mais rico por isso. Apenas foi reacesa a chama da indignação diária que ilumina a vida de quase todos os cidadãos de um grande centro urbano.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

1968: O ano que não terminou


Zuenir Ventura é autor da obra que descreve uma época de grandes transformações em todo o planeta. 1968 talvez tenha sido o ano mais tumultuado de todo o século XX e com toda certeza deixou, para suas futuras gerações, uma lição de luta, amor e garra. Falando sobre política nacional e mundial, comportamento social (principalmente por parte dos jovens estudantes) e movimentos populares, Ventura consegue trazer um pouco do que foi aquele período para a sociedade de hoje, do agora.

Os novos comportamentos conjugais, as brigas, o ciúme, a troca de parceiros e tudo que norteia uma relação foi o foco dessa primeira parte do livro. A mulher não precisava mais continuar casada com o mesmo homem durante toda uma vida apenas para agradar a sociedade. Zuenir faz uma observação sobre isso e vê que a mudança no estilo das roupas também sofreu influências por conta da liberdade de escolha. As vestimentas passaram a ser mais ‘insinuantes’, denunciavam as curvas femininas como nunca se viu antes. Talvez isso fosse um reflexo dessa liberdade, pois muitas dessas mulheres acabavam sozinhas e as roupas eram uma das maneiras de chamar a atenção.

Outro tema abordado e bastante polêmico foi a sexualidade. Enquanto um casal se separava para formar novos relacionamentos, uma população bastante jovem se rebelava. Além das mulheres e suas roupas insinuantes, também surgem os homens com seus cabelos compridos. Aparecem os hippies e sua filosofia de paz e amor. O homossexualismo passou a ser motivo de preconceito. O sexo, que era um tabu até então, se torna assunto de mesas em bares e salões de festa.
O escritor também fala da juventude de 68 que passou a analisar e entender o chamado do mundo para uma nova época. Fala de como os movimentos juvenis surgiram por todo o mundo quase que simultaneamente. As penalidades sofridas foram muitas, mas todo o esforço foi deixado em forma de grandes conquistas para as gerações de hoje.

Em certo momento do livro, Zuenir escreve sobre um assunto que interessa a nós jornalistas. Data desse período o surgimento de um dos maiores veículos de comunicação: a televisão. Em 1968 ela ainda não era esse agente formador de opiniões que é hoje, mas já servia para cobrir eventos artísticos, especialmente os musicais. No Brasil, despontam artistas como Geraldo Vandré, Chico Buarque e outros que, através de sua música, faziam seus protestos discretos, já que a ditadura era opressiva o suficiente para, de certa forma, os convidar a ficarem calados.

Os movimentos dos estudantes por melhorias e mudanças no sistema de educação, as mulheres lutando para que seus direitos valessem de alguma coisa, a classe média e até a burguesia se aliando aos pobres em busca de um mundo melhor, as bandeiras chamando por liberdade e igualdade e todas as marchas, todos os protestos e até mesmo todas as mortes, fizeram daquele ano um ano que não teve fim. Um ano que serviu de impulso para grandes mudanças. Um ano que certamente não sairá da história.

Zuenir colocou em poucas páginas um ano inteiro, dezenas de acontecimentos e milhares de vida. Fez uma retrospectiva do passado e da herança que ele nos deixou. É um brilhante relato que embala a vida de gerações inteiras mesmo que de maneiras diferentes.